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DISCURSO DO SANTO PADRE

Conferência dos Estados-Parte na Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (COP 28)

Expo City (Dubai)
Sábado, 2 de dezembro de 2023

[Multimídia]

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Senhor Presidente,
Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas,
Ilustres Chefes de Estado e de Governo,
Senhoras e Senhores!

Infelizmente não posso acompanhar-vos, como desejaria, mas estou convosco, pela urgência da hora que vivemos. Estou convosco, porque, agora mais do que nunca, o futuro de todos depende do presente que escolhermos. Estou convosco, porque a devastação da criação é uma ofensa a Deus, um pecado não só pessoal mas também estrutural que recai sobre os seres humanos, sobretudo os mais débeis, um grave perigo que grava sobre cada um com o risco de desencadear um conflito entre as gerações. Estou convosco, porque a mudança climática é «um problema social global que está intimamente ligado à dignidade da vida humana» (Francisco, Exort. ap. Laudate Deum, 3). Estou convosco para formular uma pergunta a que somos chamados a responder agora: estamos a trabalhar para uma cultura da vida ou da morte? Com veemência, vos peço: escolhamos a vida, escolhamos o futuro! Escutemos os gemidos da terra, demos ouvidos ao grito dos pobres, prestemos atenção às esperanças dos jovens e aos sonhos das crianças! Temos uma grande responsabilidade: garantir que não lhes seja negado o próprio futuro.

Está comprovado que as alterações climáticas em curso derivam do sobreaquecimento da terra, causado principalmente pelo aumento na atmosfera dos gases com efeito de estufa, causado por sua vez pela atividade humana, que, nas últimas décadas, se tornou insustentável para o ecossistema. A ambição de produzir e possuir transformou-se em obsessão e resultou numa ganância sem limites, que fez do ambiente o objeto duma exploração desenfreada. O clima enlouquecido soa como um alerta para acabarmos com tal delírio de omnipotência. Com humildade e coragem, voltemos a reconhecer a nossa limitação como única estrada para uma vida plena.

Qual obstáculo impede este percurso? As divisões que existem entre nós. Mas um mundo inteiramente conexo, como o atual, não pode ser tratado por quem o governa como se fosse desconexo, com as negociações internacionais que «não podem avançar significativamente por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum global» (Francisco, Carta enc. Laudato si’, 169). Assistimos a posições rígidas, senão mesmo inflexíveis, que tendem a tutelar os lucros pessoais e das próprias empresas, justificando-se por vezes com aquilo que outros fizeram no passado, verificando-se balsos periódicos das responsabilidades. Entretanto o dever a que hoje estamos chamados tem a ver, não com o ontem, mas com o amanhã; um amanhã que, queiramos ou não, será de todos ou não existirá.

Magoam em particular as tentativas de descarregar as responsabilidades sobre a multidão dos pobres e o índice dos nascimentos. Trata-se de tabus que devem ser firmemente desmascarados. Não é culpa dos pobres, porque quase metade do mundo, a mais indigente, é responsável apenas por 10% das emissões poluidoras, enquanto nunca apareceu tão abissal o fosso entre o limitado grupo de facultosos e os inúmeros desvalidos. Na realidade, estes é que são as vítimas do que está a acontecer: pensemos nas populações indígenas, na desflorestação, no drama da fome, na insegurança hídrica e alimentar, nos fluxos migratórios induzidos. Quanto aos nascimentos, não se trata dum problema, mas dum recurso: não são contra a vida, mas a favor da vida, enquanto certos modelos ideológicos e utilitaristas, que se vão impondo com luvas de veludo a famílias e populações, representam verdadeiras colonizações. Que não seja penalizado o progresso de tantos países, já sobrecarregados com onerosas dívidas económicas; considere-se, antes, o impacto de umas poucas nações, responsáveis por uma preocupante dívida ecológica para com muitas outras (cf. ibid., 51-52). Seria justo encontrar adequadas modalidades de remissão das dívidas financeiras que pesam sobre vários povos, à luz da dívida ecológica também existente para com eles.

Senhoras e Senhores, permiti que, em nome da Casa Comum que habitamos, me dirija a vós como a irmãos e irmãs pondo a questão: Qual é a via de saída? Aquela que estais a percorrer nestes dias: a via do caminho em conjunto, o multilateralismo. De facto, «o mundo está a tornar-se tão multipolar e, simultaneamente, tão complexo que é necessário um quadro diferente para uma cooperação eficaz. Não basta pensar nos equilíbrios de poder (…). Trata-se de estabelecer regras universais e eficazes» (Exort. ap. Laudate Deum, 42). A propósito, preocupa constatar que o aquecimento da terra seja acompanhado por um resfriamento geral do multilateralismo, por uma crescente desconfiança na comunidade internacional, pela perda da «comum consciência de ser (…) uma família de nações» (São João Paulo II, Discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas por ocasião do cinquentenário da sua fundação, Nova Iorque, 05/X/1995, 14). É essencial reconstruir a confiança, fundamento do multilateralismo.

Isto vale tanto para o cuidado da criação como para a paz: são as questões mais urgentes e estão interligadas. Quantas energias está desperdiçando a humanidade nas várias guerras em curso, como sucede em Israel e na Palestina, na Ucrânia e em muitas regiões da terra: conflitos que, em vez de resolver os problemas, aumentá-los-ão! Quantos recursos desperdiçados nos armamentos, que destroem vidas e arruínam a Casa Comum! Relanço uma proposta: «Com o dinheiro usado em armas e noutras despesas militares, constituamos um Fundo Mundial, para acabar de vez com a fome» (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 262; cf. São Paulo VI, Carta Enc. Populorum progressio, 51) e realizar atividades que promovam o desenvolvimento sustentável dos países mais pobres, combatendo as mudanças climáticas.

É tarefa desta geração dar ouvidos aos povos, aos jovens e às crianças para lançar as bases dum novo multilateralismo. Por que não começar precisamente da Casa Comum? As alterações climáticas alertam para a necessidade duma mudança política. Saiamos das vielas estreitas dos particularismos e dos nacionalismos; são esquemas do passado. Abracemos uma visão alternativa, comum: esta permitirá uma conversão ecológica, porque «não há mudanças duradouras sem mudanças culturais» (Exort. ap. Laudate Deum, 70). Neste âmbito, posso garantir o empenho e o apoio da Igreja Católica, ativa de forma especial na educação procurando sensibilizar para a participação comum e promover estilos corretos de vida, pois a responsabilidade é de todos, sendo fundamental a responsabilidade de cada um.

Irmãs e irmãos, é essencial mudar o passo e de tal modo que não se reduza a uma modificação parcial da rota, mas seja um novo modo de avançar juntos. Se no caminho da luta contra as alterações climáticas, que se inaugurou no Rio de Janeiro em 1992, o Acordo de Paris marcou «um novo início» (Ibid., 47), agora temos necessidade de relançar o caminho. Precisamos de dar um sinal concreto de esperança. Que esta COP seja um ponto de viragem: manifeste uma vontade política clara e palpável que leve a uma decidida aceleração da transição ecológica através de formas que tenham três caraterísticas: sejam «eficientes, vinculantes e facilmente monitoráveis» (Ibid., 59). E encontrem realização em quatro campos: a eficiência energética, as fontes renováveis, a eliminação dos combustíveis fósseis, a educação para estilos de vida menos dependentes destes últimos.

Por favor, avancemos! Não voltemos atrás… Sabe-se que vários acordos e compromissos assumidos «tiveram um baixo nível de implementação, porque não se estabeleceram adequados mecanismos de controle, revisão periódica e sanção das violações» (Carta enc. Laudato si’, 167). Trata-se de não adiar mais, de implementar, e não apenas desejar, o bem dos vossos filhos, dos vossos cidadãos, dos vossos países, do nosso mundo. Que vós sejais os artífices duma política que dê respostas concretas e coesas, comprovando a nobreza da função que desempenhais, a dignidade do serviço que prestais. Porque o poder serve para isto: para servir. E não adianta conservar hoje uma autoridade que amanhã será recordada pela sua incapacidade de intervir quando era urgente e necessário (cf. ibid., 57). A história ficar-vos-á reconhecida por isso, e agradecer-vos-ão também as sociedades onde viveis e em cujo seio prolifera uma nefasta divisão de “claques”: entre catastrofistas e indiferentes, entre ambientalistas radicais e negativistas climáticos. E é inútil alinhar por uma das partes; neste caso, tal como na causa da paz, isso não oferece qualquer remédio. O remédio é a boa política: se um exemplo de concretização e coesão vier de cima, beneficiará a base, onde muitos, especialmente jovens, já estão empenhados em promover o cuidado da Casa Comum.

Possa o ano de 2024 marcar um ponto de viragem. Gostaria que fosse de bom auspício um episódio ocorrido em 1224. Naquele ano, Francisco de Assis compôs o Cântico das Criaturas. Fê-lo depois duma noite passada no meio de dores físicas, já completamente cego. Depois daquela noite de luta, de espírito aliviado por uma experiência espiritual, ele quis louvar o Altíssimo pelas criaturas que já não via, mas sentia como irmãos e irmãs, porque descendiam do mesmo Pai e partilhavam a existência com os outros homens e mulheres. Assim, inspirado por um sentido de fraternidade, foi capaz de transformar a dor em louvor e o cansaço em empenho. Pouco depois acrescentaria uma estrofe na qual louvava a Deus por aqueles que perdoam, e fê-lo para dirimir – com sucesso! – um escandaloso litígio entre o Governador local e o Bispo. Também eu, que trago o nome de Francisco, gostaria de vos dizer com o tom veemente duma oração: deixemos para trás as divisões e unamos forças! E, com a ajuda de Deus, saiamos da noite das guerras e das devastações ambientais para transformar o futuro comum numa alvorada de luz. Obrigado.

 



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