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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO CHILE E PERU
(15-22 DE JANEIRO DE 2018)

ENCONTRO PRIVADO COM OS MEMBROS DA COMPANHIA DE JESUS

PALAVRAS DO SANTO PADRE

Lima, Igreja de São Pedro
Sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

[Multimídia]


 

Boa tarde... Obrigado. Comecemos a conversar para não perder tempo. Preparastes algumas perguntas... com toda a liberdade...

A primeira pergunta referiu-se aos temas da reconciliação e da justiça.

Obrigado. A palavra «reconciliação» não é só manipulada: está queimada. Hoje — não apenas aqui mas também noutros países da América Latina — a palavra «reconciliação» debilitou-se. Quando São Paulo descreve a reconciliação de todos nós com Deus, em Cristo, pretende usar uma palavra forte. Hoje, ao contrário, «reconciliação» tornou-se uma palavra de papel. Debilitaram-na. Enfraqueceram-na, não só no contexto religioso mas no conteúdo humano, aquele que se partilha quando nos fitamos nos olhos. Hoje ao contrário negocia-se às escondidas. Diria que não devemos aceitar estas acrobacias, nem sequer remar contra. É preciso dizer a quantos a usam enfraquecida: usai-a vós, nós não a usaremos porque atualmente está queimada. Portanto, é necessário que continuemos a trabalhar procurando reconciliar as pessoas. De baixo, dos lados, com uma boa palavra, com uma visita, com um curso que ajude a compreender, com a arma da oração, que nos dará a força e realizará milagres, mas sobretudo com a arma humana da persuasão, que é humilde. A persuasão age com a humildade. Sugiro o seguinte: ir ter com o adversário, pôr-se diante dele, se houver oportunidade... A persuasão! Sobre a reconciliação que se propõe hoje: não desejo ir ao fundo nem aos pormenores do problema peruano, porque não o conheço, mas confio nas tuas palavras, e dado que, como te dizia, este fenómeno acontece também noutros países da América Latina, posso dizer-te que não se trata de uma verdadeira reconciliação profunda, mas de uma negociação. Tudo bem: a arte da guia política implica também a capacidade de negociar. Contudo, o problema refere-se ao que se negocia quando se negocia. Se tu na pilha de coisas que levas à negociação pões também os teus interesses pessoais, então é o fim... Não podemos falar nem sequer de uma negociação. É outra coisa... Então, em vez de «reconciliação» é melhor falar de «esperança». Procurai uma palavra que não seja um cavalo-de-batalha mesquinho, usado sem o seu significado pleno. Gostaria de o repetir: não conheço nos pormenores a situação do Peru, confio nas tuas palavras, mas é um fenómeno presente em vários países da América Latina, por isso posso dizer o que digo.

Seguiu-se uma pergunta sobre o envelhecimento do clero.

Disseste que temos demasiadas «instituições». Permito-me corrigir o termo: temos demasiadas «obras». É preciso distinguir entre obras e instituições. O aspeto institucional na Companhia é essencial. Mas nem todas as obras são instituições. Talvez tenham sido mas o tempo fez com que o deixassem de ser. Devemos discernir entre o que hoje é instituição — que atrai, que te dá força, que promete, que é profético — de quanto ao contrário é uma obra que, sim, foi uma instituição outrora, mas que agora parece ter deixado de o ser. E devemos fazer como sempre: um discernimento pastoral e comunitário. Padre Arrupe insistia sobre isto. É preciso escolher as obras com este critério: que sejam instituições, no sentido inaciano da palavra, isto é, que atraiam pessoas, que deem respostas às exigências de hoje. Isto requer que a comunidade se ponha em condição de discernimento. Talvez este seja o vosso desafio... Considerando esta diminuição de jovens e de forças, poder-se-ia cair em desolação institucional. Não, não vos podeis permitir. A Companhia atravessou um momento de desolação institucional durante o generalato de padre Ricci, que acabou prisioneiro em Castel Sant’Angelo (padre Lourenço Ricci, 1703-1775). As cartas que padre Ricci escreveu à Companhia naquele período são uma maravilha de critérios de discernimento, de critérios de ação para não se deixar absorver pela desolação institucional. A desolação puxa-te para baixo, é um cobertor encharcado que jogam por cima de ti para ver como reages, e leva-te à amargura, ao desengano. É o discurso pós-triunfalista de Emaús: «Nós esperávamos...», que fazemos também nós, por exemplo, quando usamos expressões como «a gloriosa Companhia era outra coisa», «a cavalaria ligeira da Igreja... mas agora...». E assim por diante. O espírito de desolação deixa sinais profundos. Aconselho-vos a ler as cartas de padre Ricci. Mais tarde, padre Roothaan (Joannes Philippe Roothaan, 1783 ou 1785-1853) atravessou outro período de desolação da Companhia por causa da maçonaria, mas não tão forte quanto a de padre Ricci, que ao contrário culminou na supressão. Houve outros períodos semelhantes na história da Companhia. Por outro lado, é preciso pesquisar os padres, os padres da institucionalização da Companhia: obviamente Inácio, Fabro... Aqui podemos falar de padre Barzana (padre Alonso de Barzana 1530-1597). Fiquei fascinado por Barzana: quando ele estava em Santiago del Estero, na Argentina, falava doze línguas indígenas. Chamavam-lhe «o Francisco Xavier das Índias Ocidentais». E aquele homem, no deserto, semeou a fé, fundou a fé. Dizem que era de origem judaica e que o seu nome era Bar Shana. Faz bem olhar para estes homens que foram capazes de institucionalizar e não desanimar. Pergunto-me se Xavier, diante da falência de ver a China sem poder entrar nela, se sentisse desolado. Não, imagino que ele se tenha dirigido ao Senhor, dizendo: «Tu não o queres, portanto adeus, tudo bem assim». Escolheu seguir o caminho que lhe era proposto, e naquele caso era a morte!... Mas, tudo bem! A desolação: não devemos deixar que entre em jogo. Aliás, devemos procurar jesuítas consolados. Não sei, não desejo dar um conselho, mas... procurai sempre a consolação. Buscai-a sempre. Como pedra de comparação da vossa condição espiritual. Como Xavier às portas da China, olhai sempre em frente... Deus sabe! Mas o sorriso do coração não se deve obscurecer. Não sei, não tenho uma receita para te dar. É necessário o discernimento dos ministérios e do aspeto institucional num clima de consolação. Portanto, lede as cartas de padre Lourenço Ricci. É uma maravilha o modo como ele desejou escolher a consolação no momento de maior desolação que a Companhia teve, quando sabia que as cortes europeias estavam para dar o golpe mortal à Companhia.

Em seguida foi formulada uma pergunta sobre o escândalo dos abusos sexuais.

Ontem falei disto com os sacerdotes, os religiosos e as religiosas chilenos na catedral de Santiago. É a maior desolação que a Igreja está a sofrer. Isto impele à vergonha, mas devemos recordar que a vergonha é também uma graça muito inaciana, uma graça que Santo Inácio nos faz pedir nos três colóquios da primeira semana. Portanto, consideremo-la uma graça e envergonhemo-nos profundamente dela. Devemos amar uma Igreja com as chagas... Muitas chagas... Conto-te um facto. No dia 24 de março, na Argentina, recorda-se a memória do golpe de Estado militar, da ditadura, dos desaparecidos... e a cada 24 de março Plaza de Mayo enche-se para o recordar. Num desses 24 de março saí do paço episcopal e fui confessar as monjas carmelitas. Na volta, fui de metropolitano, e desci na Plaza de Mayo, seis quarteirões mais distante. A praça estava cheia... e percorri aqueles quarteirões para entrar pelo lado. Ao atravessar a rua, vi um casal com um menino de dois ou três anos, mais ou menos, e o menino corria na frente. O pai disse-lhe: «Vem, vem, vem aqui... Cuidado com os pedófilos!». Senti tanta vergonha! Que vergonha! Não se deram conta de que eu era o arcebispo, era um sacerdote e... que vergonha! Às vezes aparecem «prémios de consolação» e alguém até diz: «Concordo, olha as estatísticas... não sei... setenta por cento dos pedófilos encontram-se no âmbito familiar, dos conhecidos. Depois nos ginásios, nas piscinas. A percentagem de pedófilos que são sacerdotes católicos não chega a 2 por cento, é de 1,6 por cento. Não é muito...». Mas seria terrível até se fosse só um desses nossos irmãos! Porque Deus o ungiu para santificar as crianças e os adultos, e ele, em vez de os santificar, destruiu-os. É horrível! É preciso ouvir o que sente um abusado ou abusada! Às sextas-feiras — às vezes sabe-se às vezes não — encontro-me habitualmente com alguns deles. Também no Chile tive um encontro. E como o seu processo é duríssimo, ficam aniquilados. Arrasados! Para a Igreja é uma grande humilhação. Demonstra não só a nossa fragilidade, mas também, digamos claramente, o nosso nível de hipocrisia. Sobre os casos de corrupção, no sentido de abuso de tipo institucional, é singular o facto de que haja várias congregações, relativamente novas, cujos fundadores caíram nestes abusos. São casos públicos. O Papa Bento teve que suprimir uma numerosa Congregação masculina. O fundador semeou estes comportamentos. Era uma congregação que tinha inclusive o ramo feminino, e a fundadora também semeou estes hábitos. Ele abusava de religiosos jovens e imaturos. Bento deu início ao processo contra o ramo feminino. Coube a mim suprimi-lo. Vós tendes muitos casos dolorosos aqui. Mas isto é curioso: o fenómeno do abuso atingiu algumas congregações novas, prósperas. O abuso nestas congregações é sempre fruto de uma mentalidade ligada ao poder, que deve ser curada nas suas raízes malignas. Aliás, acrescento que há três níveis de abuso que andam juntos: abuso de autoridade — com o que significa misturar o foro íntimo e o externo — abuso sexual e fraudes económicas. O dinheiro está sempre no meio: o diabo entra pelo porta-moedas. Inácio indica o primeiro degrau das tentações do demónio precisamente na riqueza... depois vêm a vaidade e a soberba, mas em primeiro lugar está a riqueza. Nas congregações novas que caíram neste problema dos abusos com frequência os três níveis estão juntos. Perdoando a falta de humildade, sugeriria que lesses o que eu disse aos chilenos, que foi mais pensado e raciocinado de quanto poderia improvisar agora.

Por fim pediram ao Pontífice para tratar a questão do discernimento.

Obrigado. Respondo-te com uma só palavra. Parecerá que nada digo, mas ao contrário, digo tudo. E esta palavra é «Concílio». Pegai no Concílio Vaticano II, lede a Lumen gentium. Ontem aos bispos chilenos — ou anteontem, já não sei que dia é hoje! — exortei-os à desclericalização. Se existe algo muito claro, é a consciência do santo povo fiel de Deus, infalibilidade in credendo, como nos ensina o Concílio. Isto leva em frente a Igreja. A graça da missionariedade e do anúncio de Jesus Cristo é-nos dada com o batismo. A partir disto podemos ir em frente... Nunca podemos esquecer que a evangelização é realizada pela Igreja como povo de Deus. O Senhor deseja uma Igreja evangelizadora, vejo isto com clareza. Foi o que me veio do coração e com simplicidade nos poucos minutos nos quais falei nas Congregações gerais prévias no Conclave. Uma Igreja que sai, uma Igreja que vai fora para anunciar Jesus Cristo. Depois ou no mesmo momento em que o adora e se enche d’Ele. Dou sempre um exemplo ligado ao Apocalipse, onde lemos: «Estou à porta e bato. Se alguém me abrir, entrarei». O Senhor está fora e quer entrar. Contudo, às vezes o Senhor está dentro e bate a fim de que o deixemos sair! A nós o Senhor está a pedir para ser Igreja fora, Igreja em saída. Igreja fora. Igreja hospital de campo... Ah, as feridas do povo de Deus! Às vezes o povo de Deus sente-se ferido por uma catequese rígida, moralista, do «pode-se ou não se pode», ou por uma ausência de testemunho. Uma Igreja pobre para os pobres! Os pobres não são uma fórmula teórica do partido comunista. Os pobres são o centro do Evangelho. São o centro do Evangelho! Não podemos pregar o Evangelho sem os pobres. Então digo-te: sinto que o Espírito nos está a levar nesta direção. Mas há fortes resistências. Devo também dizer que para mim o facto de que nasçam resistências é um bom sinal. É o sinal de que se caminha pela estrada boa, que a via é esta. Caso contrário o demónio não se afanaria a fazer resistência. Dizer-te-ia que estes são os critérios: a pobreza, a missionariedade, a consciência de um povo fiel de Deus... Na América Latina, em particular, deveríeis questionar-vos: «Mas onde é que o nosso povo foi criativo?». Com alguns desvios, sim, mas foi criativo na piedade popular. E por que o nosso povo foi tão capaz de ser criativo na piedade popular? Porque os clérigos não se importavam, e então deixavam fazer... e o povo ia em frente... E também, sim, o que a Igreja pede hoje à Companhia — já o disse em todos os lugares, e Spadaro, que publica estas coisas, está cansado de o escrever — é para ensinar com humildade a discernir. Sim, peço-vos isto oficialmente como Pontífice. Em geral, sobretudo nós que fazemos parte do âmbito da vida religiosa, sacerdotes, bispos, por vezes demonstramos pouca capacidade de discernir, não o sabemos fazer, porque fomos educados noutra teologia, talvez mais formal. Limitamo-nos ao «pode-se ou não se pode», como dizia também aos jesuítas chilenos a propósito das resistências à Amoris laetitia. Alguns reduzem todo o resultado de dois Sínodos, todo o trabalho levado a cabo, ao «pode-se ou não se pode». Portanto, ajudai-nos a discernir. Certamente, quem não sabe discernir não pode ensinar a discernir. E para discernir devemos fazer os exercícios, é necessário examinar-nos. É preciso começar sempre por si mesmo.

Em seguida, o reitor da igreja ilustrou ao Papa o significado da cadeira que foi preparada para ele: em 1992 houve um atentado do «Sendero luminoso» e uma parte da igreja foi danificada. Durante o restauro foram colocados reforços nas paredes e ao longo dos trabalhos foi extraída uma arquitrave de madeira de 1672, sucessivamente usada para realizar a cadeira em estilo barroco de Lima. O Papa comentou com uma piada: «Estou sentado sobre 1672. Vou jogar este número na loteria!», e logo a seguir concluiu com estas palavras.

Agradeço-vos muito. Rezai por mim! Confio-vos uma graça muito grande: a partir do momento em que me dei conta que teria sido eleito Papa senti uma grande paz, que não me abandonou até agora. Rezai para que o Senhor ma conserve.

 



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