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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 À GEÓRGIA E AO AZERBAIJÃO

(30 DE SETEMBRO - 2 DE OUTUBRO DE 2016)

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA DO SANTO PADRE
DURANTE O VOO BAKU-ROMA

Domingo, 2 de outubro de 2016

[Multimídia]


 

Papa Francisco:

Boa noite. E muito obrigado pelo vosso trabalho, pela vossa ajuda. É verdade que foi uma viagem breve – três dias – mas vós tivestes tanto trabalho. Estou à vossa disposição, muito agradecido pelo vosso trabalho. Perguntai o que quiserdes.

Dr. Burke:

Obrigado, Santo Padre. A primeira pergunta é da Geórgia, da televisão georgiana, Ketevan Kardava.

Ketevan Kardava:

Obrigado, Santo Padre, pela sua primeira viagem à Geórgia. Para mim, foi muito importante fazer a cobertura noticiosa desta visita e acompanhar a sua visita ao meu país. Todos nós, cidadãos da Geórgia, ficamos impressionados com o seu discurso, tendo particularmente a fotografia que o apresenta com o Patriarca da Geórgia sido compartilhada milhares e milhares de vezes nas redes sociais. Foi uma visita encorajadora para a nossa comunidade católica, verdadeiramente muito pequena. Depois do seu encontro com o Patriarca da Geórgia, vê as bases para uma colaboração futura e um diálogo construtivo, entre o Santo Padre e as Igrejas Ortodoxa e Católica, a propósito das diferenças doutrinais que existem? O Santo Padre disse-nos que temos muito em comum, que é mais o que nos une do que aquilo que nos separa. Obrigado, espero a sua resposta.

Papa Francisco:

Tive duas surpresas na Geórgia. Uma é a Geórgia. Nunca imaginei tanta cultura, tanta fé, tanto cristianismo. É um povo crente e com uma cultura cristã muito antiga, um povo de tantos mártires. E descobri algo que não conhecia: as raízes profundas desta fé georgiana. A segunda surpresa foi o Patriarca: é um homem de Deus, este homem impressionou-me. Todas as vezes que o encontrei, saí com o coração emocionado e com a sensação de ter encontrado um homem de Deus. Verdadeiramente um homem de Deus. A propósito das coisas que nos unem e nos separam, eu diria: não nos ponhamos a discutir os pontos de doutrina; isso deixemo-lo aos teólogos, sabem fazê-lo melhor do que nós. Discutem e estão preparados, são bons, têm boa vontade: os teólogos dum lado e do outro. E nós, o povo, que devemos fazer? Rezar uns pelos outros. Isto é muito importante: a oração. Em segundo lugar, realizar iniciativas, juntos: há pessoas pobres, trabalhemos em conjunto com os pobres; existe este problema e aquele, podemos enfrentá-los juntos? Façamo-lo juntos. Temos os imigrantes? Façamos qualquer coisa juntos... Juntos, façamos algo de bom pelos outros: isto podemos fazê-lo. E este é o caminho do ecumenismo. Não só o caminho da doutrina… Isto será a última coisa, chegaremos lá ao fim. Mas comecemos a caminhar juntos. Isto, com boa vontade, pode-se fazer; deve-se fazer. Hoje o ecumenismo deve ser feito caminhando juntos, rezando uns pelos outros. E os teólogos que continuem a falar entre eles, a estudar entre eles. Mas a Geórgia é maravilhosa, é algo que eu não esperava; uma nação cristã, mas até à medula!

Dr. Burke:

A segunda pergunta é dum jornalista alemão, Tassilo Forchheimer, da rádio alemã ARD.

Tassilo Forchheimer:

Santo Padre, depois de ter falado com todas as pessoas que podem mudar esta história insensata entre a Arménia e o Azerbaijão, que deve acontecer para se chegar a uma paz permanente que tutele os direitos humanos? Quais são os problemas e que papel pode ter Vossa Santidade?

Papa Francisco:

Duas vezes, em dois discursos, falei disto. No último, falei do papel das religiões para ajudar a alcançar tal objetivo. Creio que o único caminho seja o diálogo, o diálogo sincero, sem cartas escondidas, sincero, face a face. Negociações sinceras. E, se não é possível chegar a isto, é preciso ter a coragem de ir para um tribunal internacional, ir para Haia por exemplo, e submeter-se ao arbitrado internacional. Não vejo outro caminho. A alternativa é a guerra, e a guerra sempre destrói, com a guerra tudo está perdido! Além disso, para os cristãos, há a oração: rezar pela paz, para que os corações tomem esta via do diálogo, da negociação, ou se vá para um tribunal internacional. Mas não se podem manter problemas assim... Pensai que os três países caucásicos têm problemas: a própria Geórgia tem um problema com a Rússia, não é muito conhecido... mas tem um problema, que pode crescer... não se sabe; e a Arménia é um país sem fronteiras abertas, tem problemas com o Azerbaijão. Deve-se ir para o tribunal internacional, se não avançarem o diálogo e a negociação: não há outro caminho. E a oração, a oração pela paz.

Dr. Burke:

Agora temos Maria Elena Ribezzo, da Suíça, da revista «La Presse».

Maria Elena Ribezzo:

Santidade, boa noite. Ontem Vossa Santidade falou duma guerra mundial em ato contra o matrimónio e, referindo-se a esta guerra, usou palavras muito fortes contra o divórcio: disse que mancha a imagem de Deus, ao passo que, nos últimos meses e mesmo durante o Sínodo, se falou de acolhimento a respeito dos divorciados. Queria saber se estas abordagens se conciliam e de que modo.

Papa Francisco:

Tudo está incluído, tudo aquilo que eu disse ontem, por outras palavras – porque ontem falei improvisando e ao vivo –, encontra-se na Exortação Amoris laetitia, tudo. Quando se fala do matrimónio como união do homem e da mulher, como Deus o fez, como imagem de Deus, é homem e mulher. A imagem de Deus não é o homem [varão]: é o homem com a mulher. Juntos. Eles são uma só carne quando se unem em matrimónio. Esta é a verdade. É verdade que, nesta cultura, os conflitos e muitos problemas não são bem geridos, e também existem filosofias do «hoje faço este [casamento], quando me cansar faço outro, depois faço um terceiro, em seguida um quarto». Esta é a «guerra mundial», de que fala a senhora, contra o matrimónio. Devemos ter cuidado para não deixarmos entrar em nós estas ideias. Mas antes de tudo: o matrimónio é imagem de Deus, homem e mulher numa só carne. Quando se destrói isto, mancha-se ou desfigura-se a imagem de Deus. Depois a Exortação Amoris laetitia fala sobre como tratar estes casos, como tratar as famílias feridas, e aqui entra a misericórdia. E há uma oração muito bela da Igreja, que rezamos na Vigília de Sábado Santo. Diz assim: «Senhor nosso Deus, que de modo admirável criastes o homem e de modo mais admirável o redimistes…», isto é, o recriastes com a redenção e a misericórdia. O casamento ferido, os casais feridos: aqui entra a misericórdia. O princípio é aquele, mas existem as fraquezas humanas, existem os pecados; sempre, porém, a última palavra não a tem a fraqueza, a última palavra não a tem o pecado: a última palavra tem-na a misericórdia! Gosto de contar – não sei se já vo-lo disse, porque o repito muito – que, na igreja de Santa Maria Madalena em Vézelay, há um capitel muito belo de 1200, mais ou menos. Os cristãos medievais faziam catequese com as esculturas das catedrais. Dum lado do capitel tem Judas, enforcado, com a língua de fora, os olhos desorbitados, e do outro lado do capitel aparece Jesus, o Bom Pastor, que o agarra e o leva consigo. E, se fixarmos bem o rosto de Jesus, os seus lábios estão tristes dum lado, mas com um pequeno sorriso de cumplicidade no outro. Aqueles compreenderam o que é a misericórdia… com Judas! E por isso, na Exortação Amoris laetitia, fala-se do matrimónio, do fundamento do matrimónio como ele é, mas depois vêm os problemas. Como preparar-se para o casamento, como educar os filhos; e depois no oitavo capítulo, quando surgem os problemas, como se resolvem. Resolvem-se com quatro critérios: acolher as famílias feridas, acompanhar, discernir cada caso e integrar, refazer. Esta seria a maneira de colaborar nesta «segunda criação», nesta maravilhosa re-criação que o Senhor fez com a redenção. Assim já se entende? (…) Sim, se se toma apenas uma parte, não resulta bem! O que eu quero dizer é que, na Exortação Amoris laetitia, todos vão ao oitavo capítulo. Assim não…, não se entende. Deve-se ler do princípio ao fim. E qual é o centro? Bem, depende de cada um. Para mim, o centro, o núcleo da Exortação Amoris laetitia é o quarto capítulo, que é útil para a vida inteira. Mas deve-se lê-la toda, e relê-la toda e discuti-la toda, é tudo um conjunto. Existe o pecado, a rutura, mas há também a misericórdia, a redenção, a cura. Expliquei-me bem sobre isto?

Dr. Burke:

Agora temos Joshua McElwee, do jornal americano National Catholic Reporter.

Joshua McElwee:

Obrigado, Santo Padre. Naquele mesmo discurso de ontem na Geórgia, falou, como em muitos outros países, da teoria do «género» (gender), dizendo que é o grande inimigo, uma ameaça contra o matrimónio. Mas gostaria de perguntar: Que diria a uma pessoa que sofreu durante anos com a sua sexualidade e sente verdadeiramente que tem um problema biológico, que o seu aspeto físico não corresponde àquilo que ele ou ela considera a sua própria identidade sexual? O Santo Padre, enquanto pastor e ministro, como acompanharia estas pessoas?

Papa Francisco:

Antes de mais nada, acompanhei na minha vida de sacerdote, de bispo – também de Papa – acompanhei pessoas com tendência homossexual e também com práticas homossexuais. Acompanhei-as, aproximei-as do Senhor, alguns não podem, mas eu acompanhei-as e nunca abandonei ninguém. Isto é o que se deve fazer. As pessoas devem ser acompanhadas como as acompanha Jesus. Quando chega diante de Jesus uma pessoa que tem esta condição, com toda a certeza Jesus não lhe dirá: «Vai-te embora porque és homossexual». Isto não. Aquilo que eu disse tem a ver com o mal que hoje se faz com o ensino da teoria do gender. Contava-me um pai francês que, à mesa, estavam a falar com os filhos – ele católico, a esposa católica, os filhos católicos, descomprometidos mas católicos – e perguntou ao filho de dez anos: «E tu que queres fazer quando fores grande?» – «A menina». E então o pai deu-se conta de que, nos livros escolares, se ensinava a teoria do gender. Ora isto é contra as coisas naturais. Uma coisa é que a pessoa tenha esta tendência, esta opção, e há também aqueles que mudam de sexo; e outra coisa é ministrar o ensino nas escolas nesta linha, para mudar a mentalidade. A isto chamo-lhe «colonizações ideológicas». No ano passado, recebi a carta de um espanhol que me contava a sua história de criança e de adolescente. Era uma menina, uma jovem, e sofreu muito porque se sentia rapaz mas fisicamente era uma menina. Contou-o à mãe, quando já passava dos vinte anos, aos 22 anos, dizendo-lhe que queria fazer a operação cirúrgica e todas aquelas coisas. E a mãe pediu-lhe para não o fazer, enquanto ela estivesse viva. Era já idosa, e passado pouco tempo morreu. Fez a operação. É funcionário dum Ministério numa cidade de Espanha. Foi ter com o bispo. O bispo acompanhou-o tanto, um bom bispo: «perdia» tempo para acompanhar este homem. Depois casou-se: mudou a sua identidade civil, casou-se e escreveu-me a carta dizendo que para ele teria sido uma consolação vir com a esposa: ele, que era uma ela, mas é ele. E recebi-os. Estavam felizes. E, no bairro onde ele morava, havia um velho sacerdote, na casa dos oitenta, o velho pároco, que deixara a paróquia e ajudava as freiras, lá, na paróquia... E havia o novo [pároco]. Quando o novo o via, advertia-o lá da calçada: «Vais para o inferno!» Quando encontrava o velho, este dizia-lhe: «Desde quando não te confessas? Anda que te confesso e assim poderás ir à Comunhão». Compreendeste? A vida é a vida, e as coisas devem-se acolher como vêm. O pecado é o pecado. As tendências ou os desequilíbrios hormonais geram muitos problemas e temos de ter cuidado para não dizer: «É tudo o mesmo, façamos festa». Não; isto não. Mas, cada caso, acolhê-lo, acompanhá-lo, estudá-lo, discernir e integrá-lo. Isto é o que Jesus faria hoje. Por favor, não digais: «O Papa santificará os transsexuais». Por favor! Porque eu vejo já os títulos dos jornais... Não digam isso, isso não. Tendes qualquer dúvida sobre o que eu disse? Quero que fique claro. É um problema de moral. É um problema. É um problema humano. E deve-se resolver como se puder, sempre com a misericórdia de Deus, com a verdade, como dissemos no caso do matrimónio, lendo toda a Amoris laetitia, mas sempre assim, sempre com o coração aberto. E não vos esqueçais daquele capitel de Vézelay: é muito belo, muito belo.

Dr. Burke:

Obrigado, Santo Padre. Agora Gianni Cardinale, de «Avvenire».

Gianni Cardinale:

Duas perguntas: uma pessoal e outra pública. A pessoal – digo assim porque está ligada ao meu nome – é quando fará os novos cardeais e a que critérios se inspira para esta escolha. A segunda – mais séria, digamos, e pública – é posta pelo italiano: quando irá encontrar as vítimas do terremoto e qual será a caraterística desta visita?

Papa Francisco:

Quanto à segunda, foram-me propostas três datas possíveis. Duas são números que não me lembro bem; a terceira – recordo-a bem – é o primeiro domingo de Advento. Disse que, ao regressar, escolheria a data. Há três: tenho de escolher. E fá-lo-ei em privado, sozinho, como sacerdote, como bispo, como Papa. Mas sozinho. Assim o quero fazer. E gostaria de poder aproximar-me das pessoas; mas não sei ainda como.

Sobre os cardeais: os critérios serão os mesmos dos outros dois consistórios. [Escolhê-los] um pouco de toda a parte, porque a Igreja está no mundo inteiro. Sim, talvez... ainda estou a estudar os nomes, mas serão talvez três dum continente, dois doutro e um doutra parte, um de um país, outro doutro... mas, ainda não se sabe. A lista é longa, e há apenas 13 lugares. E deve-se pensar em fazer um equilíbrio. Gosto que se veja, no Colégio Cardinalício, a universalidade da Igreja: não apenas o centro – se assim posso dizer – «europeu»; mas a Igreja de toda a parte. Os cinco continentes, se possível.

[«Já existe uma data?»]

Papa Francisco:

Não, porque devo estudar a lista e estabelecer a data. Pode ser no fim do ano, pode ser no início do próximo ano. No final do ano, temos o problema do Ano Santo, mas pode-se resolver... Ou no início do próximo ano. Mas será próximo.

Dr. Burke:

Obrigado, Santo Padre. Agora temos Aura Miguel, da Rádio Renascença de Portugal.

Aura Miguel:

Santo Padre, boa noite. A minha pergunta tem três partes e diz respeito à sua agenda de viagens fora da Itália. Nestes dias, já disse aos argentinos que a sua agenda está muito cheia, e falou da África e da Ásia: podemos saber quais são os países? E aqui também há um colega da Colômbia que o espera lá… E naturalmente eu, nós esperamo-lo em Portugal! Concretamente, em Portugal, como será? 12 e13? Lisboa e Fátima?

Papa Francisco:

De seguro, hoje, posso dizer que irei a Portugal, e irei somente a Fátima. Isto… hoje, porquê? Porque existe um problema. Neste Ano Santo, foram suspensas as visitas [dos Bispos] ad limina; no próximo ano, devo receber as visitas ad limina deste ano e do próximo. E há pouco espaço para as viagens. Mas a Portugal irei. À Índia e Bangladesh, é quase certo. Na África, ainda não está certo o lugar, tudo depende do clima, do mês que for, porque se for ao noroeste da África é uma coisa, se for ao sudoeste é outra. E depende também da situação política e das guerras... Mas estão em estudo possibilidades na África. Na América, disse que, se o processo de paz [na Colômbia]... tiver êxito, eu quero ir; quando tudo estiver «blindado», isto é, se vencer o plebiscito, quando tudo estiver seguro, seguro, que não se possa voltar atrás, isto é, que o mundo internacional, todas as nações estejam de acordo, que esteja descartada a possibilidade de fazer recurso, enfim… que esteja concluído; se for assim, eu poderei ir. Mas se a situação é instável... Tudo depende do que o povo disser. O povo é soberano. Estamos acostumados a fixar mais as formas democráticas do que a soberania do povo, mas ambas devem caminhar juntas. Por exemplo, tornou-se um hábito nalguns continentes que, quando termina o segundo mandato, quem está no governo procura mudar a Constituição para ter um terceiro. Mas isto é supervalorizar a chamada democracia contra a soberania do povo, que está na Constituição. Tudo depende disso. E o processo de paz será hoje resolvido, em parte, com a voz do povo: é soberano. Aquilo que o povo disser, creio que se deve fazer.

[«Fátima, será 12 e 13 (de maio)?»]

Papa Francisco:

Até agora, 13. Mas talvez se possa…, não sei.

Dr. Burke:

Obrigado, Santo Padre. Agora vem Jean-Marie Guénois, de «Le Figaro».

Jean-Marie Guénois:

Obrigado, Santo Padre. Uma pergunta sobre as viagens: Por que motivo na sua resposta não falou da China? E quais são as razões pelas quais não pode ter, como Papa, o bilhete para Pequim? Razões de dentro da Igreja chinesa? Razões derivadas de problemas entre a Igreja chinesa e o governo chinês, ou derivadas de problemas entre o Vaticano e o governo chinês? E, se me permite, uma questão recente, porque há poucas horas D. Lebrun, arcebispo de Rouen, anunciou que o Santo Padre autorizou iniciar o processo de beatificação do Padre Hamel sem ter em conta a regra que manda esperar cinco anos. Porque tomou esta decisão? Obrigado.

Papa Francisco:

Quanto a este último ponto: falei com o Cardeal Amato [Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos], faremos estudos e ele comunicará a informação definitiva. Mas a intenção é seguir por esta linha: fazer as pesquisas necessárias e ver se há as razões para o fazer.

[«Anunciou que estava aberto o processo de beatificação»]

Papa Francisco:

Não; devem-se procurar testemunhos para abrir o processo. Não percamos os testemunhos; isto é muito importante; os testemunhos do momento, aquilo que viram as pessoas, porque, depois com o passar do tempo, alguém morre, alguém esquece-se... e isto acontece. Em latim, diz-se: ne pereant probationes.

Quanto à China. Conheceis bem a história da China e da Igreja: a Igreja patriótica, a Igreja oculta... Mas nós estamos em boas relações, estuda-se e fala-se, existem comissões de trabalho... Eu estou otimista. Acho que agora os Museus do Vaticano fizeram uma exposição na China, os chineses farão outra no Vaticano... Há muitos professores que vão lecionar nas universidades chinesas, tantas freiras, tantos padres que podem livremente trabalhar lá. As relações entre o Vaticano e os chineses... devem-se fixar num acordo e, para isso, se está falando, lentamente... As coisas lentas correm bem, sempre. As coisas apressadas não correm bem. O povo chinês goza da minha mais alta estima. Anteontem, por exemplo, houve um convénio de dois dias – creio que na [Pontifícia] Academia das Ciências – sobre a Laudato sì, e havia uma delegação chinesa do Presidente. E o Presidente chinês enviou-me um presente. Existem boas relações.

[«O Papa fará a viagem?»]

Papa Francisco:

Ah, gostaria... mas penso que ainda não.

Dr. Burke:

Obrigado. Ainda há tempo para mais alguma pergunta? Sim? Juan Vicente Boo do jornal espanhol ABC.

Juan Vicente Boo:

Obrigado, Santo Padre. No grupo de língua espanhola, vimos que o vencedor do Prémio Nobel da Paz será anunciado no próximo dia 7 de outubro. Existem mais de 300 propostas de nomes: por exemplo, o povo de Lesbos pelo que fez em favor dos refugiados, ou os Capacetes Brancos da Síria, estes voluntários que tiram as pessoas fora dos escombros depois dos bombardeamentos: tiraram fora 60.000 a preço da vida de 132 deles. Ou ainda o Presidente Santos da Colômbia e o comandante Timoshenko das Farc, que assinaram o Acordo de Paz. E muitos outros... Eis a pergunta: Qual é o seu candidato favorito ou quais são as pessoas ou as organizações que merecem mais reconhecimento pelo trabalho que fazem a favor da paz? Obrigado.

Papa Francisco:

Há tantas pessoas que vivem para fazer a guerra, para a venda das armas, para matar…, há tantas. Mas há também tanta gente que trabalha pela paz, tanta, tanta. Escolher alguém de entre tanta gente que hoje trabalha para a paz, é muito difícil. O senhor mencionou alguns; existem mais. Mas sempre há a preocupação de dar um prémio para a paz... Eu espero também que a nível internacional – deixando agora de lado o Prémio Nobel da Paz – haja uma recordação, um reconhecimento, uma declaração sobre as crianças, os deficientes, os menores, sobre os civis mortos nos bombardeamentos. Creio que isso seja um pecado! É um pecado contra Jesus Cristo, porque a carne daquelas crianças, daquelas pessoas doentes, daqueles idosos indefesos é a carne de Cristo. Seria preciso que a humanidade dissesse algo em prol das vítimas das guerras. Sobre aqueles que fazem a paz, Jesus disse, nas Bem-aventuranças, que são felizes: «Os pacificadores». Mas sobre as vítimas da guerra, devíamos dizer alguma coisa e tomar consciência! Lançam sobre um hospital de crianças uma bomba e morrem trinta, quarenta... Ou sobre uma escola... Esta é uma tragédia dos nossos dias.

Dr. Burke:

Obrigado, Santo Padre. O próximo é John Jeremiah Sullivan, do «New York Times Magazine». É a primeira viagem em que participa...

John Jeremiah Sullivan:

Santo Padre, como sabe, os Estados Unidos estão aproximando-se do fim duma longa campanha presidencial, muito feia, que tem recebido muita atenção no mundo. Muitos católicos americanos e pessoas de consciência têm dificuldade em escolher entre dois candidatos, um dos quais se afasta de certos aspetos dos ensinamentos da Igreja e o outro tem feito declarações que denigram imigrantes e minorias religiosas. Santo Padre, que conselho daria aos fiéis na América? E a que sabedoria apelar-se no próximo mês, quando houver as eleições?

Papa Francisco:

O senhor faz-me uma pergunta onde descreve uma escolha difícil, porque, a seu ver, há dificuldades num e há dificuldades no outro. Durante a campanha eleitoral, nunca me pronuncio. O povo é soberano, limitando-me a dizer-lhe: estuda bem as propostas, reza e escolhe em consciência! Neste momento saio do problema e passo a uma «ficção» [um caso imaginário], porque não quero falar do problema concreto. Quando num país qualquer acontece haver dois, três, quatro candidatos que não resultam satisfatórios, significa que a vida política desse país talvez esteja demasiado politizada, mas não tem muita cultura política. E uma das tarefas da Igreja e do ensino nas Faculdades é ensinar a ter cultura política. Há países – penso na América Latina – que estão demasiado politizados, mas não têm cultura política: pertencem a este partido, àquele ou aqueloutro, mas apenas afetivamente, sem um pensamento claro sobre os princípios basilares, sobre as propostas.

Dr. Burke:

Obrigado, Santo Padre. Agora temos Caroline Pigozzi.

Caroline Pigozzi:

Santidade, boa noite. Esta pergunta não poderia fazê-la antes. Na sua opinião, o testemunho para a história é mais importante do que o testamento dum Papa? Explico-me: o Papa Wojtyla deixara escrito no seu testamento que se queimassem muitos documentos e muitas cartas que depois foram encontrados num livro: significa que a vontade dum Papa pode não ser respeitada? Queria saber o que pensa disto. Depois a segunda pergunta é mais fácil: Queria saber por que milagre o Santo Padre que aperta a mão a milhares de pessoas todas as semanas, não tem ainda uma tendinite. Como faz? O presidente Chirac, se apertava mãos, tinha de fazer curativo...

Papa Francisco:

Eu ainda não sinto tendinites... Quanto à primeira pergunta. A senhora fala de um Papa que manda queimar papéis, cartas... isto é um direito de todo o homem e mulher; tem o direito de o fazer antes de morrer.

Caroline Pigozzi:

Mas não foi respeitado no caso do Papa Wojtyla... houve aquele livro...

Papa Francisco:

Ah, aquele... Quem não respeitou aquilo, será culpado; não sei, não conheço bem o caso. Mas cada pessoa, quando diz: «Isto deve-se destruir», é porque há alguma razão concreta. Mas talvez houvesse uma cópia noutro lugar, e isto ele não o sabia... Mas é um direito de cada pessoa fazer o testamento como quer.

Caroline Pigozzi:

Inclusive do Papa…, mas no caso dele não foi respeitado.

Papa Francisco:

De muitas pessoas, não foi respeitado o testamento...

Caroline Pigozzi:

Mas o Papa é mais importante.

Papa Francisco:

Não. O Papa é um pobre pecador, como os outros. Obrigado.

Dr. Burke:

O Papa disse que ainda há espaço para uma pergunta, mas não tenho mais ninguém na minha lista.

Aproveito, pois, para dizer que hoje [no final da Missa em Baku] respondeu a uma pergunta sobre o motivo por que faz estas viagens a lugares onde os católicos são muito poucos. E apreciamos o que disse. Nem nós mesmos pensamos que andamos a perder tempo: fazemos estas viagens breves mas intensas. Mas, se o Santo Padre quiser fazer uma longa e relaxante, podemos fazê-la também...

Papa Francisco:

Não... Depois da primeira viagem, que foi à Albânia, disseram-me: «Porque escolheu ir à Albânia, na primeira viagem à Europa? Um país que não é da União Europeia?» Em seguida fui a Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, que não é da União Europeia. O primeiro país da União Europeia que visitei, foi a Grécia, a ilha de Lesbos: o primeiro. Foi o primeiro. Porquê ter viajado até estes países? Estes três são caucásicos. Os três Presidentes vieram ao Vaticano para me convidar. E com insistência. E os três países têm uma postura religiosa diferente: os arménios sentem-se orgulhosos – digo-o sem ofensa – orgulhosos da sua «armenidade», têm uma história, a maioria deles são cristãos, quase todos cristãos apostólicos, depois cristãos católicos e um pouco de cristãos evangélicos, poucos. A Geórgia é um país cristão, totalmente cristão, mas ortodoxo. Os católicos são poucos, um grupo; na sua maioria, são ortodoxos. Diversamente o Azerbaijão é um país, parece-me, com 96-98% de muçulmanos. Não sei o número dos seus habitantes, porque eu disse dois milhões, mas creio que sejam vinte...

[«cerca de dez»]

Papa Francisco:

...cerca de dez; cerca de dez milhões. No máximo, os católicos são 600: são poucos. E por que vou lá eu? Pelos católicos, para ir à periferia duma comunidade católica, que está mesmo na periferia, é muito pequena. Hoje, na Missa, disse que me fazia lembrar a comunidade «periférica» de Jerusalém, fechada no Cenáculo, à espera do Espírito Santo, à espera de poder crescer, sair... É pequena. Não é perseguida – isso não –, porque no Azerbaijão há um grande respeito religioso, uma grande liberdade religiosa. Isto é verdade – disse-o hoje no discurso. E também estes três países são países periféricos, como a Albânia, a Bósnia-Herzegovina... E já vos disse: a realidade compreende-se melhor e vê-se melhor das periferias que do centro. E por isso opto por ir lá. Mas isto não tira a possibilidade de ir a um grande país como Portugal, a França. Não sei... A ver vamos.

Muito obrigado pelo vosso trabalho. Agora descansai um pouco. E bom jantar. Obrigado. E rezai por mim.

 



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