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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

A solidão do pastor

 Terça-feira, 18 de outubro de 2016

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 42 de 20 de outubro de 2016

Paulo, João Batista e Maximiliano Kolbe — e juntamente com eles muitos outros pastores de todos os tempos — viveram na própria pele a solidão, o abandono e a perseguição, mas também «a proximidade do Senhor», sobretudo nos momentos de provação. Foi um convite a reconhecer sempre a presença de Deus, até na experiência da dor e da doença, que o Papa dirigiu durante a missa.

Para a sua meditação Francisco inspirou-se no trecho da segunda carta de são Paulo a Timóteo (4, 10-17), proposto pela liturgia. «Paulo está em Roma, prisioneiro numa casa, num quarto, com uma certa liberdade, mas esperando não se sabe o quê», explicou. E «naquele momento Paulo sente-se sozinho»: é «a solidão do pastor quando surgem dificuldades, mas também a solidão do pastor quando se aproxima o seu fim: despojado, sozinho e mendigo». E assim eis que o apóstolo escreve a Timóteo: «Toma contigo Marcos e traze-o, porque me é muito útil para o ministério... Quando vieres, traz contigo a capa e também os livros». Portanto, Paulo sente-se «sozinho e mendigo: pede a Timóteo os seus poucos objetos porque lhe podem ser úteis».

O apóstolo é «vítima de perseguição», a ponto que de uma pessoa diz: «Fez oposição cerrada à nossa pregação!». Paulo sente-se «sozinho, mendigo e vítima de perseguição» e além disso «pronuncia uma frase muito triste: ”todos me desampararam!”». No tribunal permaneceu sem assistência e reconhece: «só o Senhor Jesus me assistiu e me deu forças».

É verdade que o apóstolo se sente «sozinho, mendigo, vítima de perseguição e abandonado — afirmou Francisco — mas é o grande Paulo, que ouviu a voz do Senhor, a chamada do Senhor; que andou por toda a parte, que sofreu muitas provações pela pregação do Evangelho, que fez entender aos apóstolos que o Senhor queria que também os gentios entrassem na Igreja». É «o grande Paulo que na oração subiu até ao sétimo céu e teve sensações que ninguém antes tinha tido».

Mas agora «o grande Paulo está ali, no pequeno quarto de uma casa, em Roma, esperando o final desta luta no interior da Igreja entre as partes, entre a rigidez dos judaizantes e aqueles discípulos fiéis a ele». Assim acaba a vida do grande Paulo, na desolação: não no ressentimento nem na amargura, mas na desolação interior».

De resto, observou o Papa, «Jesus tinha dito a Pedro que também ele teria acabado assim». E «todos os apóstolos tiveram o mesmo fim: “quando fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te amarrará o cinto e te levará para onde não queres ir!”». Este, explicou o Pontífice, «é o fim do apóstolo».

Precisamente «a partir daquele pequeno quarto de Paulo — disse Francisco — podemos pensar em dois grandes: João Batista e Maximiliano Kolbe. O primeiro «na cela, sozinho, angustiado, manda os seus discípulos a Jesus: “És tu ou temos que esperar outro?”. Em seguida a excentricidade de uma bailarina e a vingança de uma adúltera cortam a sua cabeça: acaba assim o grande João Batista, do qual Jesus diz que era o maior homem já nascido de uma mulher».

E «mais próximo de nós — disse o Papa — pensemos na cela de Maximiliano Kolbe, que fez um movimento apostólico em todo o mundo e muitas coisas grandes: está naquela cela, faminto, à espera da morte» no lager de Auschwitz.

«O apóstolo, quando é fiel, só pode ter um fim igual ao de Jesus» afirmou Francisco. Ocorre precisamente «o despojamento do apóstolo: é despojado, deixado sem nada, porque foi fiel». E tem a mesma consciência de Paulo: «Só o Senhor está próximo de mim», porque «o Senhor Jesus me assistiu e me deu forças».

«O fim de Paulo» é conhecido: «Depois de quase dois anos, vivendo desta maneira, na incerteza, nestas dores de parto da Igreja, uma manhã vêm dois soldados, prendem-no, levam-no embora, cortam a sua cabeça».

Mas como pode acabar deste modo — é natural a pergunta — um «homem tão grande que viajou pelo mundo a pregar, que convenceu os apóstolos que Cristo veio também para os gentios, que praticou tanto bem. Que lutou, sofreu, pregou, teve a mais elevada contemplação?». E no entanto «esta é a lei do Evangelho: se a semente de trigo não morrer, não dá fruto, porque foi esta a lei que o próprio Jesus nos indicou com a sua pessoa». Mas com a certeza de que «depois vem a ressurreição».

Um teólogo dos primeiros séculos — recordou o Pontífice — dizia que «o sangue dos mártires era a semente dos cristãos». Porque «morrer como mártir, como testemunha de Jesus», é precisamente como «a semente que morre e dá fruto e enche a terra de novos cristãos». E quando «o pastor vive deste modo, não fica amargurado: talvez se sinta desolado, mas com a certeza de que o Senhor está sempre ao seu lado». Ao contrário, quando «o pastor na sua vida se preocupou de outras coisas que não eram os fiéis — por exemplo apegado ao poder, ao dinheiro, aos acordos, a tantas coisas — no final não estará sozinho, talvez haja os sobrinhos que esperam a sua morte para ver o que podem levar consigo».

A tal propósito, Francisco desejou partilhar o que sente no seu coração quando «visita uma casa de repouso de sacerdotes idosos» onde — disse — me encontro com muitos sacerdotes bons que dedicaram a vida aos fiéis e estão lá, doentes, paralíticos, em cadeiras de rodas; mas imediatamente se vê o sorriso, porque sentem que o Senhor está perto deles». Não se podem certamente esquecer «os olhos brilhantes que têm e perguntam: “como vai a Igreja? Como está a diocese? Como vão as vocações?”». São preocupações que mantêm dentro deles «até ao fim, porque são padres, porque dedicaram a vida aos outros».

Concluindo o Pontífice lançou de novo o testemunho de «Paulo sozinho, mendigo, vítima de perseguição, abandonado por todos, menos que pelo Senhor Jesus: “só o Senhor Jesus me assistiu e me deu forças”». Porque, insistiu, «o pastor deve sentir esta segurança: se ele anda no caminho de Jesus, o Senhor estará ao seu lado até ao fim». Depois convidou a rezar «pelos pastores que estão no fim da sua vida e esperam que o Senhor os leve consigo». Rezemos, disse, «para que o Senhor lhes dê forças, consolação e a certeza de que, embora se sintam doentes e sozinhos, o Senhor está com eles, próximo deles: que o Senhor lhes dê a força».

 


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