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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Não se conserva a luz no frigorífico

 Segunda-feira, 19 de setembro de 2016

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 38 de 22 de setembro de 2016

Se não quisermos ser cristãos só «de nome», é necessário fazer próprio o compromisso diário a «preservar e não esconder» aquela luz que nos foi doada com o batismo. Um compromisso que se realiza na vida «de todos os dias», prestando atenção a não ceder a algumas tentações, nas quais somos levados a cair. Ponto de partida, como de costume, a liturgia do dia que, no Evangelho de Lucas (8, 16-18) fala precisamente do tema da luz, «do conselho de Jesus a não cobrir a lâmpada» e «deixar que a luz sobressaia, ilumine, para que quem entra possa ver a luz». Um conselho reafirmado também no canto ao Evangelho que, citando o evangelista Mateus (5, 16), convida: «Brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai».

Em primeiro lugar, não se deve cair no equívoco, porque geralmente «na linguagem quotidiana, dizemos: “Mas, esta é uma pessoa luminosa; esta não é luminosa”». Na realidade, no Evangelho «não se fala desta luminosidade humana. A luz do Senhor não é só simpatia. Há algo mais». Com efeito, «preservar a luz significa preservar algo que nos foi dado como dom e se somos luminosos, somos luminosos» no sentido «de ter recebido o dom da luz no dia do Batismo». Precisamente por esta razão, acrescentou, «inicialmente, nos primeiros séculos da Igreja, também nalgumas Igrejas orientais o batismo ainda se chama “iluminação”»; e ainda hoje, «quando batizamos uma criança, damos uma vela, com a luz, como sinal: porque o dom de Deus é a luz».

Ora, continuou, esta luz que Jesus dá no batismo «é uma luz verdadeira», uma luz «que vem de dentro, porque é uma luz do Espírito Santo. Não é uma luz artificial, uma luz camuflada. É uma luz suave, serena que nunca se apaga». Por este motivo «não deve ser coberta». E «se tu cobrires esta luz, tornas-te tíbio ou simplesmente cristão de nome».

Para melhor compreender a natureza desta luz que «Jesus nos diz para preservar» e «que nos foi oferecida como dom a todos», o Pontífice evocou também o trecho evangélico da transfiguração: «pensemos no Tabor, quando ele mostra toda a luz que possui». E citando o salmo em que se lê: «O justo habitará no monte santo do Senhor», convidou: «pensemos naquela montanha, onde o Senhor é transfigurado, com toda a sua luz». Precisamente aquela é a luz «que nós devemos preservar e não esconder.

Mas este compromisso deve confrontar-se com a vida do dia a dia. E então, alguém poderia perguntar: «Padre, e como pode ser escondida esta luz? Como se pode esconder a luz para que não ilumine, e para que os homens não vejam a luz que se faz com as boas obras?». Mais uma vez, é a própria liturgia que vem em nossa ajuda. Desta vez com a primeira leitura, tirada do livro dos Provérbios (3, 27-34), na qual há alguns «conselhos: são conselhos de um pai sábio aos filhos». Antes de tudo, lê-se: «Meu filho não negues um benefício a quem o solicita, quando está em teu poder conceder-lho». É muito simples: «Se puderes fazer um bem, faz o bem. E todos têm direito a receber o bem, porque todos somos filhos do Pai que nos concede o bem». Ao contrário, «aquela pessoa que não faz o bem, podendo-o fazer, cobre a luz» que «se torna obscura».

O Pontífice deteve-se sobre este conceito, analisando algumas atitudes que se encontram facilmente na vida quotidiana: «Não digas ao teu próximo: "Sim, vai, vai, vai... volta e dar-to-ei amanhã". Se tu possuíres agora o que te pede — e isto é um argumento muito forte, na Bíblia — não deixes que quem precisa espere; não pagues o ordenado no dia seguinte».

Francisco deu também outro exemplo citando um trecho do livro do Êxodo: «Se tiveres o seu manto penhorado, porque lhe fizeste um empréstimo, restitui-lho à noite, para que possa dormir». Tudo isto para recomendar: «Nunca adiar o bem». Neste sentido o Papa utilizou uma imagem muito concreta: «o bem não tolera o frigorífico», ou seja, não deve ser conservado; «o bem é hoje, e se não o fizeres hoje, amanhã não haverá. Não escondas o bem para amanhã». E quem raciocina com a lógica do «“vai, volta, dar-to-ei amanhã”, encobre fortemente a luz».

O livro dos Provérbios acrescenta outro conselho: «não tramar o mal contra o teu próximo, enquanto ele está confiante junto de ti». Também esta é uma realidade que temos diante dos olhos todos os dias: «quantas vezes a gente tem confiança numa pessoa ou noutra, e esta trama o mal para o destruir, sujar, para o aniquilar». E, explicou, «o pequeno fragmento de máfia que todos nós temos nas mãos: aquele que se aproveita da confiança do próximo para tramar o mal; é um mafioso», mesmo se não pertence de facto a uma organização criminosa: «esta é máfia, aproveitar-se da confiança... E isto cobre a luz. Torna-te obscuro. Qualquer máfia é obscura».

A Escritura continua: «não discutais sem motivo com ninguém, se não te fez nada de mal». Também aqui se apresenta de novo a vida quotidiana. Sublinhou Francisco: «como gostamos de discutir, eh? Sempre. Sempre procuramos algum pequeno pretexto para discutir. No final cansa discutir: não se pode viver» assim. «É melhor deixar passar, perdoar...», no máximo «fingir que não se veem as coisas» para «não discutir».

O pai sábio da Escritura prossegue com os seus conselhos e convida: «Não invejes o homem violento e não te zangues por todos os seus sucessos, porque o Senhor tem horror do perverso, enquanto a sua amizade é para os justos». Com efeito, às vezes acontece que «temos ciúmes, inveja em relação a quantos possuem bens, que têm sucesso, ou que são violentos». Não obstante tudo, comentou o Pontífice, se considerarmos «a história dos violentos, dos poderosos» nos daríamos conta de que «os mesmos vermes que comerão a nós, comem a eles; os mesmos! No final seremos todos iguais. Permanece o facto que «invejar o poder, ter ciúmes... tudo isto cobre a luz». E na escritura vai-se além; «Meu Filho, a maldição do Senhor está sobre a casa do malvado, enquanto ele abençoa a casa dos justos». E, ao contrário, acrescenta-se que o Senhor «concede a sua benevolência aos humildes».

Portanto, o Papa exortou novamente a escutar estes conselhos que dizem respeito à vida «de todos os dias» — «não são coisas estranhas» — e a acolher o convite: «Sede filhos da luz, e não filhos das trevas; preservai a luz que vos foi doada como dom no dia do batismo». E, concluindo, convidou «todos nós que recebemos o batismo» a rezar ao Espírito Santo a fim de que «nos ajude a não cair nestes maus hábitos que cobrem a luz, e nos ajude a levar em frente a luz recebida gratuitamente, aquela luz de Deus que faz muito bem: a luz da amizade, da mansidão, da fé, da esperança, da paciência, da bondade».

 


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