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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

O critério

Quinta-feira, 7 de Janeiro de 2016

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 02 de 14 de Janeiro de 2016  

Quem põe em prática as obras de misericórdia tem a prova de que a sua acção vem de Deus: o único critério para o entender gira em volta da realidade da «encarnação, de Jesus que veio na carne». E assim não tem sentido «imaginar planos pastorais e novos métodos para aproximar as pessoas», se a fé em Jesus encarnado não levar ao serviço do próximo. Francisco alertou também contra aqueles que só têm aparência de espiritualidade, pois se aquele espírito não vier de Deus é «o anticristo», a expressão da «mundanidade».

Para esta reflexão, o Papa inspirou-se na primeira carta de são João (3, 22-4, 6), observando imediatamente que o apóstolo cita «uma palavra de Jesus na última ceia: “permanecer”». Precisamente João escreve: «Quem observa os seus mandamentos, “permanece” em Deus e Deus nele». E «este “permanecer” em Deus é um pouco o respiro e o estilo da vida cristã», explicou. Podemos dizer que «o cristão é aquele que permanece em Deus». Escreve ainda João na sua carta: «Nisto reconhecemos que Ele permanece em nós: pelo Espírito que nos deu».

Portanto, relançou Francisco, «o cristão é aquele que “tem” o Espírito Santo e se deixa guiar por Ele: permanecer em Deus e Deus em nós, pelo Espírito que nos deu». E retomou também a advertência do apóstolo a «estarmos atentos: e aqui surge o problema. Estai atentos, não acrediteis em todos os espíritos, mas ponde-os à prova, para testar se vêm realmente de Deus». Deveras «esta é a regra de vida diária que João nos ensina».

Portanto, «pôr à prova os espíritos». «Mas o que quer dizer “pôr à prova os espíritos”? Parece que há fantasmas...». Mas não, afirmou o Papa, porque na realidade João sugere que se «ponham à prova os espíritos para testar de onde vêm: testar o espírito, o que acontece no meu coração». Assim «leva-nos ali, ao coração», a perguntar-nos «o que acontece, o que sinto no meu coração, que quero fazer? De onde vem a raiz do que sinto agora?».

Eis, explicou o Papa, «isto é pôr à prova para “testar”». E «o verbo testar» é o mais apropriado para verificar realmente «se o que sinto vem de Deus, do espírito que me faz permanecer em Deus, ou se vem de outrem». À pergunta «quem é o outro?», a resposta de Francisco é clara: «O anticristo». De resto, esclareceu, «o raciocínio de João é simples, directo, diria circular, porque volta ao mesmo tema: ou és de Jesus, ou és do mundo». E «retoma o que também Jesus pediu ao Pai por todos nós: que não nos tire do mundo, mas que nos defenda do mundo». Porque «a mundanidade é o espírito que nos afasta do espírito de Deus que nos faz permanecem no Senhor».

Neste ponto, Francisco deu voz às interrogações que, naturalmente, surgem sobre a questão: «Mas padre, está bem, está tudo claro, mas quais são os critérios para fazer um bom discernimento do que acontece na minha alma?». João propõe um só critério, apresentando-o com estas palavras: «Nisto podeis reconhecer o espírito de Deus: cada espírito — cada emoção, cada inspiração que sinto — que reconhece Jesus Cristo, que veio na carne, é de Deus; e todo o espírito que não reconhece Jesus não vem de Deus».

«O critério é Jesus que veio na carne, o critério é a encarnação», insistiu Francisco. A tal ponto que «posso sentir muitas coisas dentro, até coisas boas, ideias boas, mas se estas ideias boas, estes sentimentos não me levarem a Deus que se fez carne, se não me levarem ao próximo, ao irmão, não são de Deus». E é por isso que «João começa este trecho da sua carta, dizendo: “Este é o mandamento de Deus: que acreditemos no nome do seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos outros”».

Aplicando esta verdade à vida cristã de todos os dias, o Pontífice recordou que «podemos fazer muitos planos pastorais, imaginar novos métodos para nos aproximar das pessoas, mas se não percorrermos o caminho de Deus que veio na carne, do Filho de Deus que se fez homem para caminhar connosco, não estamos na vida do espírito bom». Aliás, quem prevalece «é o anticristo, a mundanidade, o espírito do mundo».

Sim, acrescentou, «quantas pessoas encontramos na vida, que parecem espirituais, mas não falemos em fazer obras de misericórdia». E «porquê? Porque as obras de misericórdia são precisamente o conceito da nossa confissão de que o Filho de Deus se fez carne: visitar os doentes, dar de comer a quem não tem alimento, cuidar dos descartados». Portanto, «obras de misericórdia», «porque cada um dos nossos irmãos, que devemos amar, é carne de Cristo: Deus fez-se carne para se identificar connosco e aquele que sofre é Cristo que o padece».

Eis que, disse Francisco, «se caminhares por esta estrada, se sentires isto, vais bem» porque precisamente «este é o critério do discernimento para não confundir os sentimentos, os espíritos, para não ir pelo caminho errado».

Portanto, voltam as palavras de João: «Não acrediteis em qualquer espírito — estai atentos! — mas ponde à prova os espíritos, para testar se vêm verdadeiramente de Deus». Por isso, reiterou com força, «o serviço ao próximo, ao irmão, à irmã que tem necessidade — há tantas necessidades! — inclusive de um conselho, da minha atenção para ser ouvido: são estes os sinais de que caminhamos pela via do espírito bom, ou seja, pela estrada do Verbo de Deus que se fez carne».

Antes de retomar a celebração da missa, Francisco pediu «ao Senhor a graça de conhecer bem o que acontece no nosso coração, o que gostamos de fazer, o que mais me sensibiliza: se é o espírito de Deus que me leva ao serviço do próximo, ou o espírito do mundo que gira ao redor de mim mesmo, dos meus fechamentos, dos meus egoísmos e de muitas outras coisas». Sim, concluiu, «peçamos a graça de conhecer o que acontece no nosso coração».

 


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