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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE

A última palavra

Terça-feira, 9 de Junho de 2015

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 24 de 11 de Junho de 2015

A «identidade cristã» encontra a sua força no testemunho e não conhece ambiguidades: por isso o cristianismo não pode ser «diluído», não pode esconder o seu ser «escandaloso» nem transformado numa «boa ideia» por quem tem sempre necessidade de «novidades». E atenção também à tentação da mundanidade, precisamente de quem «alarga a consciência» de modo a abranger tudo. Afirmou o Papa, recordando que «a última palavra de Deus se chama “Jesus” e nada mais».

«A liturgia de hoje fala-nos da identidade cristã» frisou Francisco, propondo a questão central: «Qual é esta identidade cristã?». Referindo-se à primeira leitura de hoje (2 Cor 1, 18-22), o Papa recordou que «Paulo começa narrando aos Coríntios as situações que viveram, algumas perseguições», e «o testemunho que deram de Jesus Cristo». Praticamente, escreve-lhes: «Sinto-me orgulhoso disto — ou seja, orgulho-me da minha identidade cristã — que aconteceu assim. E Deus é testemunha de que quando vos dirijo a palavra, é um “sim”, isto é, revelamos qual é a nossa identidade».

«Para alcançar esta identidade cristã — explicou Francisco — nosso Pai, Deus, fez-nos percorrer um longo caminho de história, séculos e séculos, com figuras alegóricas, com promessas, alianças e assim até ao momento da plenitude dos tempos, quando enviou o seu Filho nascido de mulher». Portanto, trata-se de um «longo caminho». E, afirmou o Papa, «também nós devemos percorrer na nossa vida um longo caminho, para que esta identidade cristã seja forte e dê testemunho». Um caminho, frisou, «que podemos definir da ambiguidade para a verdadeira identidade».

Por conseguinte, na carta aos Coríntios o apóstolo escreve que «é verdade que Deus é fiel, quando vos dirijo a palavra não existe um “sim” e um “não”. De facto, acrescenta Paulo “o Filho de Deus, Jesus Cristo, que vos temos anunciado não foi um “sim” e um “não”, mas sempre “sim”». Eis então, disse o Pontífice, que «a nossa identidade consiste precisamente em imitar, em seguir Jesus Cristo, que é o “sim” de Deus para connosco». E «esta é a nossa vida: caminhar todos os dias a fim de fortalecer esta identidade e dar testemunho dela, passo a passo, mas sempre rumo ao “sim”, não com ambiguidades».

«É verdade, reconheceu o Pontífice, existe o pecado e ele provoca a nossa queda, mas temos a força do Senhor para nos levantar e ir em frente com a nossa identidade». Mas, acrescentou, «eu diria inclusive que o pecado faz parte da nossa identidade: somos pecadores, mas pecadores com fé em Jesus Cristo». De facto, «não é só uma fé de consciência» mas «um dom de Deus que entrou em nós por Deus». Assim, explicou o Papa, «é o próprio Deus que nos confirma em Cristo. E conferiu-nos a unção, imprimiu o selo em nós, o sinal, o penhor do Espírito nos nossos corações». Sim, afirmou Francisco, «é Deus quem nos concede este dom da identidade» e «o problema é ser fiel a esta identidade cristã e deixar que o Espírito Santo, que é precisamente a garantia, o penhor no nosso coração, nos leve em frente na vida».

«Somos pessoas que não vão atrás de uma filosofia» afirmou ainda o Pontífice porque «temos um dom, que é a nossa identidade: somos ungidos, temos impresso em nós o selo e dentro de nós a garantia do Espírito». E «o Céu começa aqui, é uma identidade bonita que se vê no testemunho». Por isso, acrescentou, «Jesus fala-nos do testemunho como linguagem da nossa identidade cristã» quando diz: «Sois o sal da terra mas se o sal perder o sabor, com o que salgareis?». A referência é ao trecho evangélico de Mateus proposto hoje pela liturgia (5, 13-16).

Certamente, prosseguiu o Papa, «a identidade cristã, porque somos pecadores, é também tentada, sofre a tentação — as tentações chegam sempre — e pode voltar atrás, pode enfraquecer-se e perder-se». Mas como pode isto acontecer? «Penso — sugeriu o Pontífice — que se pode voltar atrás sobretudo por duas estradas».

A primeira, explicou, é «passar do testemunho para as ideias» ou seja «diluir o testemunho». Como se disséssemos: «Sim, sou cristão, o cristianismo é isto, uma boa ideia, rezo a Deus». Mas «do Cristo concreto, porque a identidade cristã é concreta — lemos nas bem-aventuranças; este aspecto concreto está também no capítulo 25 de Mateus — passamos para uma religião um pouco soft, que paira no ar e na estrada dos gnósticos». Mas, por detrás, «há o escândalo: esta identidade cristã é escandalosa». Consequentemente, «a tentação é dizer “não”, não, sem escândalos; a cruz é um escândalo; que Deus se tenha feito homem» é «outro escândalo» que se deixa de lado; procuramos Deus «com estas espiritualidades cristãs quase etéreas, airosas». A ponto que, afirmou o Papa, «existem gnósticos modernos que te propõem estas soluções: não. A última palavra de Deus é Jesus Cristo, não há outra!».

«Nesta estrada», prosseguiu Francisco, estão também «aqueles que precisam sempre de novidades na identidade cristã: esqueceram-se que foram escolhidos, ungidos, que têm a garantia do Espírito e buscam: “Mas onde estão os videntes que hoje nos revelam qual carta Nossa Senhora nos mandará às 4h00 da tarde?”. Por exemplo, não? E vivem disso». Mas «esta não é a identidade cristã. A última palavra de Deus chama-se “Jesus” e nada mais».

«Uma estrada para se distanciar da identidade cristã é a mundanidade», continuou o Santo Padre. Isto é, «alargar muito a consciência até incluir tudo: “Sim, somos cristãos mas isto pode...”, não só moral mas também humanamente». Porque «a mundanidade é humana, e deste modo o sal perde o seu sabor». Eis porque, explicou o Papa, «vemos comunidades cristãs, e também cristãos, que se dizem tais mas não podem e não sabem dar testemunho de Jesus Cristo». E «desta forma a identidade volta atrás, perde-se» e é «este nominalismo mundano que vemos todos os dias».

«Na história da salvação — disse Francisco — Deus, com a sua paciência de Pai, levou-nos da ambiguidade para a certeza, para a realidade da encarnação e morte redentora do seu Filho: esta é a nossa identidade». E «Paulo orgulha-se disto: Jesus Cristo, feito homem; Deus, o Filho de Deus, feito homem e morto por obediência». Sim, frisou o Pontífice, Paulo «orgulha-se disto» e «esta é a identidade e nela há o testemunho». É «uma graça que devemos pedir ao Senhor: que nos conceda sempre este dom, uma identidade que não procure adaptar-se às situações que lhe fariam perder o sabor do sal».

Antes de continuar a celebração eucarística, Francisco não deixou de frisar que também ela é «um escândalo». Aliás, concluiu, «permito-me dizer “um duplo escândalo”». Primeiro, explicou «porque é o “escândalo” da cruz: Jesus, o Filho de Deus, que dá a sua vida por nós». E depois «o “escândalo” de que nós cristãos celebramos a memória da morte do Senhor e sabemos que aqui se renova esta memória». Então, precisamente a celebração eucarística «é um testemunho da nossa identidade cristã».



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