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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE

Dois bilhetes de identidade

Terça-feira, 10 de Fevereiro de 2015

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 7 de 12 de Fevereiro de 2015

Para conhecer a nossa verdadeira identidade não podemos permanecer «cristãos sentados» mas devemos ter a «coragem de nos pôr sempre a caminho para procurar a face do Senhor», porque somos «imagem de Deus». O Papa Francisco, comentando a primeira leitura litúrgica — a narração da criação no livro do Génesis (1, 20 – 2, 4) — reflectiu sobre uma questão essencial para cada pessoa: «Quem sou?».

O nosso «bilhete de identidade», disse o Papa, consiste no facto de que os homens foram criados «à imagem e semelhança de Deus». Mas então, acrescentou, «a questão que podemos formular é: De que modo conheço a imagem de Deus? De que maneira sei como ele é para saber como sou? Onde encontro a imagem de Deus?». A resposta não está «certamente no computador, nas enciclopédias nem nos livros», porque «não há um catálogo onde se vê a imagem de Deus». Existe um único modo para «encontrar a imagem de Deus, que é a minha identidade», ou seja, pôr-se a caminho: «Se não nos pusermos a caminho nunca poderemos conhecer a face de Deus».

Este desejo de conhecer encontra-se também no Antigo testamento. Os salmistas, frisou Francisco, «muitas vezes dizem: quero conhecer o teu rosto»; e «também Moisés o disse ao Senhor uma vez». Mas na realidade «não é fácil, porque se pôr a caminho significa deixar muitas certezas, opiniões de como é a imagem de Deus, e procurá-lo». Noutros termos, significa «deixar que Deus, que a vida nos ponha à prova», significa «arriscar», porque «só assim podemos chegar a conhecer o rosto de Deus, a imagem de Deus: pondo-nos a caminho».

O Papa inspirou-se também no Antigo testamento para recordar que «assim fizeram o povo de Deus e os profetas». Por exemplo «o grande Elias: depois de ter vencido e purificado a fé de Israel, sentiu a ameaça daquela rainha e teve medo, não sabendo o que fazer. Pôs-se a caminho. E a um certo ponto preferiu morrer». Mas Deus «chamou-o, deu-lhe de comer, de beber e disse: continua a caminhar». Desta forma Elias «chegou ao monte e ali encontrou Deus». Portanto, o seu caminho foi «longo, doloroso e difícil», mas ensina-nos que «quem não se põe a caminho, nunca conhecerá a imagem de Deus, nunca encontrará a face de Deus». É uma lição para todos nós: «os cristãos sentados, os cristãos quietos — afirmou o Pontífice — não verão a face de Deus». Têm a presunção de dizer: «Deus é assim...», mas na realidade «não o conhecem».

Ao contrário, para caminhar «é necessária aquela inquietude que o próprio Deus colocou no nosso coração e que nos leva a procurá-lo». O mesmo, explicou o Pontífice, aconteceu «a Job que, com a sua provação, começou a pensar: mas como permite Deus, que isto me aconteça?». Também os seus amigos «depois de um grande silêncio de dias, começaram a falar, a debater com ele». Mas tudo isto não foi útil: «com esses argumentos, Job não conheceu Deus». Só «quando se deixou interpelar pelo Senhor na provação encontrou Deus». E precisamente de Job podemos ouvir «a palavra que nos ajudará muito neste caminho de busca da nossa identidade: “Conhecia-te por ouvir dizer, mas agora os meus olhos viram-te”». Eis o núcleo da questão segundo Francisco: «o encontro com Deus» que só pode acontecer «pondo-nos a caminho».

Certamente, continuou, «Job pôs-se a caminho com uma maldição», até «teve coragem de amaldiçoar a vida e a sua história: “Maldito o dia em que nasci...”». Com efeito, reflectiu o Papa, «às vezes, no caminho da vida, não encontramos um sentido nas coisas». Viveu a mesma experiência o profeta Jeremias, o qual «depois de ter sido seduzido pelo Senhor, ouviu aquela maldição: “mas por que a mim?”». Ele queria permanecer «sentado tranquilamente» mas ao contrário «o Senhor queria mostrar-lhe o seu rosto».

Isto é válido para cada um de nós: «para conhecer a nossa identidade, conhecer a imagem de Deus, é preciso pôr-se a caminho», ser «inquietos, não quietos». Exactamente isto «significa procurar a face de Deus».

Em seguida, o Papa Francisco referiu-se também ao trecho do Evangelho de Marcos (7, 1-13), no qual «Jesus se encontra com as pessoas que têm medo de se pôr a caminho» e que constroem uma espécie de «caricatura de Deus». Mas «era um bilhete de identidade falso» porque — explicou o Papa — «esses não inquietos fizeram calar a inquietude do coração: traçaram Deus com os mandamentos» mas fazendo assim «esqueceram-se de Deus» para observar somente «a tradição dos homens». Jesus disse a escribas e fariseus que acumulavam mandamentos: «Deste modo anulais a Palavra de Deus com a tradição que transmitistes e fizestes muitas destas coisas». É precisamente este «o bilhete de identidade falso, que podemos obter sem nos pôr a caminho, quietos, sem inquietude do coração».

De facto, Jesus recordou que Moisés tinha dito: «Honra teu pai e tua mãe, e quem amaldiçoa o pai ou a mãe seja condenado à morte». E prosseguiu: «Vós ao contrário dizeis: se alguém declara ao pai ou à mãe que “aquilo com o que deveria ajudar-te, isto é dar-te de comer, dar-te de vestir, dar-te remédios, é corbã, oferta a Deus”, não permitis que façam pelo pai e pela mãe». Portanto, esta «é a imagem de Deus que eles têm». Na realidade o seu caminho é «entre aspas»: isto é «um caminho parado, quieto. Rejeitam os pais, mas cumprem as leis da tradição que fizeram».

Concluindo a sua reflexão o bispo de Roma propôs de novo o sentido dos dois textos litúrgicos como «dois bilhetes de identidade». O primeiro é «o que todos temos, porque o Senhor nos criou assim», e é «aquele que nos diz: põe-te a caminho e tu obterás o conhecimento da tua identidade, porque és imagem de Deus, foste criado à semelhança de Deus. Põe-te a caminho e procura Deus». O outro garante-nos: «Não, fica tranquilo: cumpre todos os mandamentos; isto é Deus. Este é o rosto de Deus».

 


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